Cova d'oiro é um conceito, uma realidade ou um sonho?
Tanto quanto nos é dado conhecer através da leitura dos livros do comandante João Mano, da consulta de diversa bibliografia e dos arquivos do Museu Marítimo de Ílhavo, é correcto afirmar que a Cova d’oiro foi, em primeira instância e no espaço temporal do terceiro quartel do século XVIII, um sonho vivido por quem, mercê de contingências várias e agrestes do destino, almejou fugir a uma vida de infortúnio, de doença, fome e morte.
Uma série de nefastas coincidências de factores ambientais e geo-climáticos, que foram alterando irreversivelmente, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, a linha da costa na região de Aveiro e Ílhavo, afectaram negativamente as povoações piscatórias que viviam da ria, atingindo a sua plenitude da desgraça e calamidade entre os anos 1730 e 1757.
A decisão de fugir, de perseguir o sonho de atingir o local situado …”algures na costa portuguesa mesmo a sul da foz do rio Mondego. Era como se dizia então um bom pesqueiro. Havia fartura de pescado e as artes, ainda novas e de não fácil manuseio, vinham carregadas até à vergueira de espécies saltitantes e …” variadas que, vendidas na jovem vila da Figueira da Foz, proporcionava o merecido pecúlio para o esforço do trabalho que dá o “amanhar do mar”, transformou-o em realidade quando um punhado de pescadores de Ílhavo, nossos antepassados e fundadores da nossa terra, se abrigaram na cava de uma duna, mesmo ali com a Cova d’oiro a seus pés.
Por fim, mercê de uma vida digna de trabalho no amanho do mar, quer neste que nos banha, quer noutros por esse mundo fora, esse legado identitário deve ser um conceito norteador das nossas acções enquanto povo. É neste conceito que assenta a identidade sócio-cultural da Cova e da Gala, hoje Cova-Gala e muito bem, fruto do desfiar inexorável dos tempos, que uniu os povoados.
Por outro lado, São Pedro é e sempre foi um abrigo de fé, que deu forças e vontade de alcançar o sonho, que protegeu e animou nos momentos mais difíceis. Mas, já o era nos idos tempos de Ílhavo e assim continuou a ser na Cova d’oiro, na Cova e na Gala e de muitas outras comunidades de pescadores espalhadas de norte a sul, por este Portugal. É, como se sabe, o Orago assumido pela quase totalidade das comunidades piscatórias não podendo ser, por isso mesmo, elemento identificador de nenhuma em particular.
Cova d’oiro, como conceito fundador e respeitado como legado sócio-cultural, deve ser entendido como, atrevia-me a dizer, o único farol norteador da acção de todos os que se preocupam com a identidade, principalmente a dos, por nós, eleitos e dele fiéis depositários na sua acção administrativa em ambiente democrático que é, ou devia ser, aliás, o único prevalecente.
Este espaço que tem, não por acaso, a denominação de Cova d’oiro, vamos preenchê-lo, prometemos, com esta temática. Visamos, como único objectivo, pugnar pelo engrandecimento da memória. Que ela possa, de alguma forma que não a saudosista, fortalecer, principalmente nos mais jovens, a identidade. Vamos fazê-lo, a um tempo tentando lembrar, a outro recomendar para os malefícios do esquecimento e ainda noutro tentando que os jovens, a seu tempo, nos possam representar nos mais variados espaços, entre os quais, a Assembleia de freguesia. Não como meras figuras decorativas e bajuladoras, mas antes como Cova-Galenses que, ao invés de se atirarem a um poço à espera que alguém lhes dê a mão, prefiram, olhos nos olhos, enfrentar as vagas do destino de peito aberto e fazer-se a qualquer tipo de mar com um objectivo definido, com um destino no horizonte, usufruindo entretanto as belezas e as contingências da viagem.
Tudo isto com uma velocidade própria de quem, não querendo ser a quinta da calma, não tenha, por outro lado, a ansiedade do imediato nem a pressa dos aflitos. Antes, a consciência que os tempos levam tempo a mudar.
Até já.
João Pita