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Cova d'oiro

... algures na costa portuguesa mesmo a sul da foz do rio Mondego. Era, como se dizia então, um bom pesqueiro. Havia fartura de pescado e as artes, ainda novas e de não fácil manuseio, vinham carregadas até á vergueira

Cova d'oiro

... algures na costa portuguesa mesmo a sul da foz do rio Mondego. Era, como se dizia então, um bom pesqueiro. Havia fartura de pescado e as artes, ainda novas e de não fácil manuseio, vinham carregadas até á vergueira

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O menino de África

Poderá parecer uma deriva do proposto, no entanto, a actualidade com a ameaça de crise alimentar e a deficiente gestão da Dignidade Humana   é tão pungente que apetece evocar a memória...

 Carregue em PLAY e ouça ...

O inicio...

Eu sou o menino de África

Correndo feliz pela matas verdejantes
Trepei mangais, cajueiros e coqueirais
Bebi água de coco e do caju cajuada
Nadei em nascentes, rios e cascatas
Brotando do alto de rochas escarpadas.
Nelas agucei a ponta de minha lança 
Com ela corri savanas como alce alado 
E cacei leão como quem dança.
 
Eu sou o menino de África 
 
Olhando espantado de medo
O homem do mar de cara branca.
Tão branca, tão alva, tão diáfana.
Que se curvou mudo e submisso
Pensando encarar o deus
Dos mares profundos e infindos.
Que fugiu apavorado quando o tiro rugiu
 

Troando das mãos do senhor branco

Pensando ser …“deus” zangado.

 
Eu sou o menino de África

Que seu corpo livre e despido

Viu vestido de trajes e tecidos.

Assim perdeu a pureza genuína

Da nudez que sempre a vestiu. 
Que viu bandeira que não a sua 
Hastear-se no meio do terreiro
Da terra livre que sempre o viu correr.
 
Eu sou o menino de África
 
Que o homem de cara branca,
Que mais parecia “deus” do mar 
Explorou, vendeu e escravizou.
Que viu seu pai ser caçado
 

Arrastado, preso e manietado

 

Embarcar em naus de velas brancas
E acorrentado, ser vendido como escravo.

Eu sou o menino de África

Que lutou em lutas fratricidas
 

E em guerras que não as suas

A mando do senhor da sua terra.

Um dia fugiu e, os seus juntou,
Dando asas de liberdade à ânsia
De tornar sua a terra de seus avós
Que, em si, de o ser nunca deixou.
 
Eu sou o menino de África

Que há muito olvidou
O som de batuque da chuva caindo
O aroma intenso da terra embriagada 
Evolar-se no ar, formando nova chuva.
Que há muito não sente
Na planta dos pés descalços
A húmida terra das chuvas verdejantes
E a aveludada frescura da erva molhada.
 
Eu sou o menino de África
 
Que viu pó seco e asfixiante 
Amortalhar terras livres e férteis
Até onde a vista não alcança.
Sugar do útero de suas entranhas
O sémen fecundo das sementeiras.
De suas veias, o filão de água cristalina,
De sua face, o verde das plantas
E o viçoso orvalho das madrugadas.
 
Eu sou o menino de África
 
Que já não corre feliz
Pelas matas verdejantes
... Antes sonha com elas.
Nos delírios sonolentos da fome, 
Sonha um sonho lindo
Que o homem, um dia teve 
 
... Os direitos da Criança....  
 
Eu sou o menino de África 
Que não sente os bichos e os insectos 
Pousados em seus olhos cegos e abertos
Sugarem o sangue de suas chagas
Sorverem a humidade do Grito alucinante
Mudo em sua boca aberta e calada. 
 
Eu sou o menino de África
Que, já não sonha, nem dorme. 
 
Apenas é,
Está.
Em vida jaz ali!
 
Mhundo!
 
Liberta-me desta morte em vida
Oferta-me a vida que não vivi!
Liberta-me dos direitos meus 
Escritos para crianças que não eu.
Deixa-me ser, só uma vez, criança
Sem direitos, sem nada, só criança.
Não deixes que seja sempre
O teu menino de África!
 
Eu já não sou o menino de África
 
Agora... aqui
Na etérea e viçosa abundância
Olho e não te vejo
Também tu não me vês a mim.
Brinco... Até que enfim...
Tornei-me menino, criança
A rir, a cantar, a sorrir
...
Eu já não sou o menino de África!
 
... E o Fim!
 

 João Pita

 
 

Cova d'oiro é um conceito, uma realidade ou um sonho?

 

 

Tanto quanto nos é dado conhecer através da leitura dos livros do comandante João Mano, da consulta de diversa bibliografia e dos arquivos do Museu Marítimo de Ílhavo, é correcto afirmar que a Cova d’oiro foi, em primeira instância e no espaço temporal do terceiro quartel do século XVIII, um sonho vivido por quem, mercê de contingências várias e agrestes do destino, almejou fugir a uma vida de infortúnio, de doença, fome e morte.
  
Uma série de nefastas coincidências de factores ambientais e geo-climáticos, que foram alterando irreversivelmente, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, a linha da costa na região de Aveiro e Ílhavo, afectaram negativamente as povoações piscatórias que viviam da ria, atingindo a sua plenitude da desgraça e calamidade entre os anos 1730 e 1757.
 
A decisão de fugir, de perseguir o sonho de atingir o local situado          …”algures na costa portuguesa mesmo a sul da foz do rio Mondego. Era como se dizia então um bom pesqueiro. Havia fartura de pescado e as artes, ainda novas e de não fácil manuseio, vinham carregadas até à vergueira de espécies saltitantes e …” variadas que, vendidas na jovem vila da Figueira da Foz, proporcionava o merecido pecúlio para o esforço do trabalho que dá o “amanhar do mar”, transformou-o em realidade quando um punhado de pescadores de Ílhavo, nossos antepassados e fundadores da nossa terra, se abrigaram na cava de uma duna, mesmo ali com a Cova d’oiro a seus pés.
 
Por fim, mercê de uma vida digna de trabalho no amanho do mar, quer neste que nos banha, quer noutros por esse mundo fora, esse legado identitário deve ser um conceito norteador das nossas acções enquanto povo. É neste conceito que assenta a identidade sócio-cultural da Cova e da Gala, hoje Cova-Gala e muito bem, fruto do desfiar inexorável dos tempos, que uniu os povoados.
 
Por outro lado, São Pedro é e sempre foi um abrigo de fé, que deu forças e vontade de alcançar o sonho, que protegeu e animou nos momentos mais difíceis. Mas, já o era nos idos tempos de Ílhavo e assim continuou a ser na Cova d’oiro, na Cova e na Gala e de muitas outras comunidades de pescadores espalhadas de norte a sul, por este Portugal. É, como se sabe, o Orago assumido pela quase totalidade das comunidades piscatórias não podendo ser, por isso mesmo, elemento identificador de nenhuma em particular.
 
Cova d’oiro, como conceito fundador e respeitado como legado sócio-cultural, deve ser entendido como, atrevia-me a dizer, o único farol norteador da acção de todos os que se preocupam com a identidade, principalmente a dos, por nós, eleitos e dele fiéis depositários na sua acção administrativa em ambiente democrático que é, ou devia ser, aliás, o único prevalecente.
 
Este espaço que tem, não por acaso, a denominação de Cova d’oiro, vamos preenchê-lo, prometemos, com esta temática. Visamos, como único objectivo, pugnar pelo engrandecimento da memória. Que ela possa, de alguma forma que não a saudosista, fortalecer, principalmente nos mais jovens, a identidade. Vamos fazê-lo, a um tempo tentando lembrar, a outro recomendar para os malefícios do esquecimento e ainda noutro tentando que os jovens, a seu tempo, nos possam representar nos mais variados espaços, entre os quais, a Assembleia de freguesia. Não como meras figuras decorativas e bajuladoras, mas antes como Cova-Galenses que, ao invés de se atirarem a um poço à espera que alguém lhes dê a mão, prefiram, olhos nos olhos, enfrentar as vagas do destino de peito aberto e fazer-se a qualquer tipo de mar com um objectivo definido, com um destino no horizonte, usufruindo entretanto as belezas e as contingências da viagem.
 
Tudo isto com uma velocidade própria de quem, não querendo ser a quinta da calma, não tenha, por outro lado, a ansiedade do imediato nem a pressa dos aflitos. Antes, a consciência que os tempos levam tempo a mudar.
 
Até já.
 
João Pita
 
 
 
 
 
Caravela Sagres St MManuela e Creoula

João Pita

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