A noite Alastra
Voz de Ana Margarida
Paulo Marçalo é um jovem desta cidade.
É filho de pescadores e marinheiros, de gente do mar.
Talvez por isso, ou também por isso, foi um adolescente problemático, desajustado a um tempo e ao seu próprio tempo. Caminhou por ínvios caminhos da adição, da sujeição, da destemperança e do descontrolo anímico e emocional.
As suas capacidades cognitivas, acima da média, foram causadoras de uma, ainda, maior dor e desassossego.
Sempre gostou de escrever e, ao fazê-lo, foi descrevendo a sua angústia e revolta. A um tempo identificando-a como só ele o sabia fazer e, a um outro, a incapacidade de lhe pôr termo.
Vou ler-vos um dos poemas do Paulo.
A noite alastra, as trevas me invadem
Num sono ébrio e horripilante
Sou o desconcerto e o pecado de mim mesmo.
Sou um desgraçado perdido,
Sem vontade, nem destino
Aprisionado ao terror, ao mal que abomino.
Ferido e ensanguentado no ódio
Aterrorizo meu lar e a minha alma sofre.
Em preces rogo tempo e mudança
Mas, sem vontade nem confiança
Acomodo-me no vício que me destrói.
- E destrói quem me ama!
Terríveis pensamentos manchados de maldade
Me percorrem as veias, qual anarcas
Desferem golpes baixos sobre os mais fracos,
Que fragilizados e cegos de amor
Me continuam amar, desesperados.
Pela desgraça e miséria a que me tenho votado.
São anjos negros, espíritos destruídos
Consumidos pelo ódio, em segredo guardado.
Tento soltá-lo na ébria e negra fúria
Do meu olhar vago, sem tempero nem temperança,
Deserdado de fé , apartado da esperança.
Paulo Marçalo
1999