Pescadores de Ílhavo
filme de arquivo da RTP
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filme de arquivo da RTP
"Em Busca de Mais Mar e Mais Vazio…"
HOMENS À BEIRA-MAR
Nada trazem consigo. As imagens
Que encontram, vão-se delas despedindo.
Nada trazem consigo, pois partiram
Sós e nus, desde sempre, e os seus caminhos
Levam só ao espaço como o vento.
Embalados no próprio movimento,
Como se andar calasse algum tormento,
O seu olhar fixou-se para sempre
na aparição sem fim dos horizontes.
Como o animal que sente ao longe as fontes,
Tudo neles se cala p'ra auscultar
O coração crescente da distância
E longínqua lhes é a própria ânsia.
É-lhes longínquo o sol quando os consome,
É-lhes longínqua a noite e a sua fome,
É-lhes longínquo o próprio corpo e o traço
Que deixam pela areia, passo a passo.
Porque o calor do sol não os consome
Porque o frio da noite não os gela,
E nem sequer lhes dói a própria fome,
E é-lhes estranho até o próprio rasto.
Nenhum jardim, nenhum olhar os prende.
Intactos nas paisagens onde chegam
Só encontram o longe que se afasta,
O apelo do silencio que os arrasta,
As aves estrangeiras que os trespassam,
E o seu corpo é só um nó de frio
Em busca de mais mar e mais vazio.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
1944
... continuação
continua ...
Pesca do Bacalhau
Viagem do Santa Maria Manuela em 1966.
Porventura, identificaremos neste filme alguém familiar.
Titulo original, The Lonely Dorymen - Portugal's Men of the Sea.
Documentário realizado em 1968 pela National Geographic e filmado a bordo do Lugre bacalhoeiro, José Alberto, na viagem de 1967.
Partilhamos a segunda parte desse mesmo documentário.
Aproxima-se o dia em que a merecida homenagem ao homem do mar da Cova-Gala, personificado na figura do pescador de bacalhau à linha, vai ter lugar.
Será, decerto, um Bom Dia.
Apesar de o motivo e o modelo escolhido, que não a idéia, ser fruto de névoas e brumas escusas de pelágicas desconfianças, ao invés da clara participação na escolha, aberta e universal onde todos os covagalenses interessados pudessem ter tido legítimo lugar ... vai ser um Bom Dia!
Mesmo que a estética do elemento escultórico escolhido seja, mais assim, ou mais assado, será SEMPRE um bom dia.
Mesmo que os eleitos, eventualmente, não consigam libertar-se das grilhetas da presunção e dos pressupostos politicos, será sempre um BOM DIA!
E, aqui, na COVA-GALA,
- povoado que proclama bem alto a sua identidade assente em raízes da Cova, da Gala, do mar que nos banha e de todo esse, outro mar, onde os seus homens consolidaram uma história de trabalho e de grandeza -
esta homenagem ganha uma legitimidade ímpar.
A cidadania e a sintonia com estes valores faz-nos querer participar, tentando ajudar a entender as "grilhetas da presunção e dos pressupostos politicos", quando a mesma é rasteira, conforme assistimos há um mês, em Lavos, e, a um outro tempo, enaltecer a legitima e verdadeira homenagem a ter lugar na Cova-Gala.
Com a preciosa ajuda do Museu Marítimo de Ilhavo é possivel provar que a grande, a esmagadora maioria dos pescadores de bacalhau nascidos em Lavos, são oriundos e naturais da Cova e da Gala.
Começamos, hoje, a publicar as cédulas maritimas dos nossos antepassados.
Por razões de "peso digital" somos obrigados a dividi-las em várias apresentações.
Hoje, a primeira, por ordem alfabética.
A idiossincracia do povo da Cova e da Gala está umbilicalmente ligada ao mar.
Foi pelo mar que aqui chegaram, à Cova d'oiro, nos idos tempos da década de 70 do século XVIII.
Foi no mar que os homens e, também, as mulheres deste povo forjaram o seu temperamento peculiar enquanto entidade colectiva.
Já alguém disse que ..."do mar emergem as raízes deste povo, dele se eleva a sua história".
Nem imaginam o quanto e porque concordo com esta frase que está, aliás, registada e gravada a bronze num elemento escultórico no largo da Alminhas.
Nos primeiro tempos da fundação os homens da Cova amanharam o mar nas árduas lides das artes da praia (modernamente designada xávega).
Desde as últimas décadas do século XIX e até meados do século XX temperaram com o sal do mar do Atlântico norte o suor desse esforço insano, que foi a epopeia da pesca do bacalhau à linha.
Na frota da Figueira da Foz as companhas dos esbeltos lugres bacalhoeiros eram, na sua grande maioria, compostas por homens da Cova e da Gala.
Longos meses vogando em alto mar entregues a si próprios na solidão dos dóris, sentindo no rosto o afago amargo da surriada, temendo pelo inebriante e desorientador nevoeiro da Terra Nova e Gronelândia, perspectivavam a viuvez das mulheres e a orfandade dos filhos.
Por tudo isto, unanime e orgulhosamente aceite pela população da freguesia de S. Pedro, se justifica que, há mais de doze anos, exista o projecto de perpétuar, em elemento escultórico, (vulgo estátua) a mémória do homem do mar da Cova-Gala.
A verdadeira homenagem a este homem do mar é na freguesia de S. Pedro que deve ter lugar!
Com a dignidade que os nossos antepassados merecem!
Tenho receio que tal dignidade seja conspurcada pelos interesses de ocasião que os anos eleitorais são ávidos em proporcionar.
O facto desta homenagem, - que vai ser paga por TODOS NÓS ao contrário do que alguns pensam, - estar a ser tratada e gerida nos confins dos segredos mais envergonhados e nas brumas de complexos temores de pelágia desconfiança, não augura nada de bom.
A cultura, se não for partilhada e vivida pelas comunidades a que dizem respeito é e será sempre MENOR.
Como, há quatro anos, foi MENOR a cerimónia do hastear dos símbolos hieráldicos da freguesia de S. Pedro que, por imposição de interesses e negociatas politico-partidário pseudo independentistas, foi transformado num "grandioso e de sucesso" comício de propaganda eleitoral e a que não faltaram, inclusivé, aspectos censórios.
O som do rio revolto ecoa no vulto negro das pedras do molhe recortado pelo branco da espuma da rebentação na barra.
O bater das águas na madeira frágil do bote não deixa ouvir o chapinhar dos remos.
Faz questão de mostrar quem manda, o Mondego, e faz-se ouvir, zangado, na noite fria de inverno.
Vulto erecto de oleado vestido segurando a rede, cabelos brancos de amarguras vividas ondulando ao vento. Por entre a chuva fustigada pelo vento vislumbra-se a silhueta do velho pescador do rio, em pé, no bote.
A gélida chuva escorre e serpenteia pelos sulcos das rugas que no seu rosto louvam a força que à má fortuna não cede.
Só a mão forte e calejada se finca num lamento, denunciando um desalento íntimo pleno de amarguras.
Seu companheiro não vê a lágrima furtiva que se mistura com a chuva, no seu rosto.
Com os olhos fixos na rede relembra, qual filme, todo o percurso dos seus anos.
Relembra o pavor do desconhecido quando, ainda menino e pela mão de seu pai, embarcou pró bacalhau.
A dor intensa do gelo da Gronelândia, qual punhal de vidro e aço, que lhe trespassava as mãos ao manejar o "trote", o "pucheiro", a faca, o "trole", a zagaia, o pingalim ou a isca, não foi nada comparada com a vaidade de ser "o primeira linha" ou o melhor escalador.
Relembra a meninice dos filhos. A angústia de, às vezes, os ter ouvido chorar com fome. A ansiedade de só ter conhecido o mais velho já quase com meio ano de idade.
O medo atroz que o fez rogar a Deus implorando que os tornasse a beijar, quando em pleno Atlântico naufragou e, alucinado de sede, os via junto a si dando-lhe forças para não desistir.
As saudades que deles sentiu, quando para a América fugiu. Já não os conhecia quando os viu.
Sua mulher, já velha, soube-lhe a fresca, a nova quando passados anos de separação a tomou. Foi como reviver a fogosidade dos anos da juventude longínqua.
Enterrou bem fundo dentro de si todos os temores da infidelidade traiçoeira que a separação favorece, mas o amor puro não consente.
Ah... Pescador ...
Ainda menino, pró bacalhau embarcaste
Já homem, pela América, fugido, andaste
E no Atlântico um dia naufragaste.
Fortuna, prós teus, sempre procuraste
Riqueza nunca encontraste.
Os teus, jamais esqueceste e sempre amaste
Os amigos, nunca olvidaste
Só de ti pescador, nunca te lembraste.
O rio, negro, furioso, altivo como que a expulsar-te.
O teu rosto sereno e forte todo o teu mundo retractando.
Meu Deus... Que contraste!
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